segunda-feira, 15 de junho de 2009

Câmus de Albuquerque Itaz, 8 de fevereiro de 1888

Sobre mim e minhas coisas

Minha mente mais uma vez viaja em devaneio lúcido através de sentimentos os quais não sei bem controlar.
Um ódio latente e protuberante perturba minha própria existência. Ódio que se mistura a repulsa demente sincera sobre minha construção de caráter falho.

Será que tudo aquilo que tocar pó virá a se tornar?

Será que toda viagem ou todo anseio tornar-se-á ferida e lacuna?

Será que fadado estou a sempre ter consciência de minhas insignificantes atitudes?

O que me surte em todas as questões é uma latente desilusão que se mistura a fé. Devia eu ter feito diferente!

Não sou bom no que me tornei (ou no que pretendia tornar-me).

Meus traços auto-destrutivos realçam aos olhos. Devia eu me calar? Devia eu viajar dentro de minhas mais fiéis desilusões calado?

Nem fé nem ódio. Nada disso resumiria tal repulsa. Maldita repulsa.

Violência para com a mente. Violência! Meu controle se vai, minha mente tarda a perceber, meu corpo mal responde a estímulos de consciência que peca mais uma vez nessa altura da vida.

Mais uma vez falhei em minha jornada, mais uma vez consciente demais pra entender. Mais uma vez, de tantas vezes, de todos os desgostos e desprazeres.

Não tornei-me necessário e nem nocivo, não tornei-me significado nem valia. O que tornei-me então?

Perguntar-me-ia se resposta pudesse ter (resposta teria?).

Não o farei então! Farei da seguinte maneira.

Regurgitarei em minhas deficiências discursivas de palavras sentidas e ardentes que cometem minha mente a pensar e repensar “o que fizestes? O que farás? O que farás?”.

Não me tornei. Não fiz. Não consegui. Mais uma vez, a falha iminente de um caráter vazio que desperdiçou o próprio tempo da vida em pensamentos supérfluos, filosóficos sem o menor teor significativo. O que faria se não perder totalmente meu controle físico?

Uma viagem tortuosa a caminho do silêncio e da repudia. Minha ingratidão, minha desgraça singular. Minha viagem. Minha jornada. Meu desgosto. Meu desprazer.

Minha agonia silenciosa dentro de uma sala à meia luz. Meu fracasso de tantas vezes.

Perdi o caminho a tanto tempo. Perdi o meio.

Não lhe quero mais alma maldita de tantas em tantas nociva. Subversão e contradição dentro da mesma sensação.
“O que farei?”, “O que fizestes a vida toda se não experimentações?”.

Então adentrei-me num caminho ainda tortuoso, onde um passo haverá de ser dado a caminho do longe e do só, para além do silêncio e da penumbra. Onde nem a luz e nem o doce tem valor. Não tornei-me bom com as coisas, e nem com as pessoas. Não sou filho pródigo do talento ou da sorte. Sou eu sim menino perdido, solitário e atônito. Sou menino histérico.

Mas desprezar irei tudo o que tornei a ser em momentos de devaneio.

Não será mais assim, não será mais menino.

Será homem a escrever decisões e valentia para com a vida!

Será assim daqui em diante.Será valor e consciência, sabedoria e silêncio. Será uma experimentação singular, pretendida a única. Será valor e vontade. Mas e minh’alma, que se perdera de minha vontade de superação da mais adversa contradição?

Abandonar-irei toda sua essência, toda a vontade, todo o querer. Minha ridícula obsessão pelo amor e pelo perfeito. Minha obsessão pelo desejo e pela própria perdição.
Abandonar-irei todas essas coisas?

Sem mais delongas, fiéis parceiras da mentira sarcástica da vida. “Zombas de tua própria perdição, zombas de tua própria perdição”, diz-me mais uma vez a sabedoria d’alma perdida em contradição.

Não deveria ter iniciado tal relato, pois este será lido, e relido e assim o silêncio se quebra. Será medido e pesado, assim como todas as analises conseguintes ,e elas virão. Ainda, minha própria avaliação de caráter, mais criteriosa e menos piedosa.

Despejei-me em agonia, ainda atônito. “Sabes demais da vida” dizes, dissestes e tornará a repetir, consciência maldita.

Sei da vida aquilo tudo que experimentei. Aprendi a perceber as lacunas valentes de quem não tem e queria ter. Repudiei a propriedade e o discurso pronto. Repudiei tudo que não fosse intenso ou sincero. Sou eu hoje fruto insólito e infértil de uma contradição sensacional, sentimental, filosófica e subversiva.

Posto diante da contradição, a única coisa que sei é regurgitar palavrório rebuscado, para parecer mais inteligente diante daqueles que lerão, trecho de repulsas e demências de um ser sem querer.

Devia eu ter mudado minhas perspectivas quando tinha tempo e não me deixar levar em sonhos e desejos.

O que me aguarda, e o que nos espera por fim derradeiro de um dia a chegar é o pó, a solidão e o fracasso.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Camus de Albuquerque Itaz, 6 de outubro de 1895

Acordo mais um dia, é o mesmo dia. Os afazeres são os mesmos, as pessoas são as mesmas, as ruas são as mesmas. Meu medo ainda é o mesmo.


Saio de casa e me dirijo ao bonde. Aquela dama de rosa está lá de novo. Não a conheço, mas a vejo praticamente todos os dias.


Ali me preparo para desempenhar meu papel novamente. Hoje terei de sorrir e satisfazer a ilusão de que está sempre tudo no seu devido lugar.


A tipografia me espera na mesa. Não é um trabalho ruim, mas sempre paga pior do que se merece. O rádio está ligado.


O ambiente é escuro, não me sinto a vontade. Trabalho como se não houvesse pergunta em minha alma que precisasse de resposta. Meu medo me acompanha.


Saio para comprar ferramentas, as minhas estão velhas e sem elas não posso continuar com meu trabalho.


Chego a loja. Sou atendido com um sorriso usual no rosto do vendedor. Peço-lhe as ferramentas que preciso e de pronto sou atendido. Ele espera apreensivo até que ponho minha mão no bolso esquerdo de meu casaco. Saco minha carteira. O vendedor angustiado me olha nos olhos, “são 25 moedas” diz ele com o mesmo sorriso no rosto. Dou-lhe o dinheiro, agradeço com um sorriso igualmente usual. Me despeço e saio.


Na rua, a mesma rua. O medo me acompanha até o ponto do bonde onde eu o espero.


Esperar é uma constante. Comuns desconhecidos hora se olham, hora sorriem uns pros outros e outros pra mim. Retribuo.


Pego o bonde até a tipografia para deixar as ferramentas. Já não quero mais trabalhar. Sempre tenho uma desculpa cabível pra coisas assim. Com a cara limpa, olho para meu patrão e minto. Não diferente dele que esboça felicidade quando vê a esposa. Ele a trai com a dona da venda na esquina anterior ao quarteirão de sua casa. Ele trai como eu.


Novamente o bonde, o mesmo bonde. O caminho até minha casa demora mais que o habitual. Será só impressão?


O hábito de chegar sempre pelo mesmo lado da rua. Primeiro o pé esquerdo, mas antes eu o limpo no tapete que se encontra na frente de minha porta. Verifico, “sim está limpo”. Entro em casa. Minha casa.


Mas é na calada da noite que me dói. Sinto agora o medo que me acompanhou o dia todo aqui, sentado ao meu lado, olhando pra mim. Ele me encara.

De agora em diante sei que não basta apenas sorrir e usar os dizeres convencionados da corte. Não há outro. Não há nada.


Olho para as estrelas como se quisesse ouvi-las cantar. Não ouço.


No fim do dia, as coisas são ainda mais tristes. Haverá um amanhã. Certamente haverá.


Demoro horas a fio até conseguir dormir. Nesse tempo penso na vida e no que deveria ter feito. Penso no medo. A vida é só e só a vida é.

Me desgasto na amargura. Sei que o tempo é pó e na mais curta brisa de inverno ele se vai.


Durmo então, depois de ter pensando e ter sorrido por um dia inteiro.


Acordo mais um dia, é o mesmo dia.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Câmus de Albuquerque Itaz, 10 de outubro de 1888

Nobre Alcântara,


A tempos estou para escrever algo de texto corrido, sem muitas adulações pseudo-intelectuais, ou de cunho existencial. A tempos quero escrever livre de palavrório polido e de rimas que já não me fazem tanto sentido. Mas, mesmo assim, não consigo me desprender de meu vício de “Escritor” ou algo que gostaria que fosse chamado de tal modo.


Minhas publicações vão indo muito bem naquele jornal que outrora disseste que não era bom. Ironia.


Tenho pensado muito caro amigo, nas coisas que me valiam muito antigamente, e que hoje já não me tem mais valia. Que rumos da percepção minha vida tem tomado? Me pergunto diariamente. Evidente que, como texto de tal absurda reflexão merece uma bela dona, que nesse caso em particular é uma que me deparei por estes dias.


A caminho do tal “jornaleco” para onde escrevo, perto dos campos de Afonso Rodrigues, na saída principal da vila, encontrei uma dama que era pura dor de tão bela. Estava ela a colher frutas com um cesto de palha.


Cabelos negros, lábios macios e rosados, seios fartos em um vestido simples. Batia uma brisa característica de nossa primavera que conheces bem. Ao me deparar com a cena fiquei maravilhado. O tempo correu lento naqueles não sei quantos minutos que fiquei a contemplar aquela divina que adornava uma paisagem tão comum. Ela percebeu meu devaneio. Olhou pra mim acanhada, mas com simplicidade de quem não sabia que estava sendo venerada. Foi como se a gota do mais puro mel tivesse caído dos céus em um vacilo de anjo, tocado minha boca, e eu, mero mortal, não sabia como apreciar seu sabor.


Meu atraso já era iminente. Disfarcei e continuei a observar. Cada movimento, cada vento, cada fio de cabelo era puro sabor que gostaria de provar.


Fiquei na frente da venda de Rodrigues, e ela veio em minha direção. Fiquei atento na esperança de que algo acontecesse para que pudesse falar algo. Pensei em mil coisas para cortejá-la. Mas não, nada acontecera para que eu pudesse dizer-lhe. Apenas fiquei ali, perplexo.


Ela passou lentamente por trás de mim, não resisti e a olhei mais uma vez, só que desta, mais profundamente e queimando de desejo por toda minha’alma. Ela retribuiu o olhar e, com aquele sorriso objeto de meu deslumbre, desviou-se e continuou a caminhar.


Aquela divina me deixou ali, sem mais saber o que era mundo ou o que deixara de ser. Sou um efêmero do desejo. Estou suscetível nesses tempos. A constante insatisfação, os dias repetitivos, o sempre me chateia.


Aquela dama não me inspirou desejo apenas. Ela despertou saudade de tempos distantes.


Lembrei-me então de tempos tardios, em que a vida não desfrutava de tanta melancolia e nem de tanto “saber”. Esse “saber” das coisas é o que nos mata aos poucos. Lembrei-me da vida antes do saber a verdadeira valia da palavra. Antes, tinha mais sentido do que agora. Por entre esses dias lembrei das coisas que fazíamos e em como antes era lindo o que não sabíamos. Olhei para o céu certa uma, e vi as estrelas, daí no chão olhando pra cima, desandei a chorar como menino novamente. Tenho passado tempos difíceis.


Sabes caro, olhei para as estrelas, pensei, sorri e chorei com elas. Pensei que o céu,está lá em cima para lembrar-nos de que nós estamos aqui, com os pés fincados na terra, e que trocaríamos todas essas luzes que vemos em terra para tocá-las por apenas por um instante. Pensei meu caro amigo, que enfim estava eu lá novamente, nu e com frio, afugentado da vida e de minhas forças. Sobrou-me por um segundo eterno a agonia que é estar vivo e saber que está só. Não direi que foi uma dor tortuosa e nem nada disso. Seria diminuir o sentido que tem o que senti. Foi um momento, para o meu deleite em agonia e descrença. Foi Horrível, entretanto não anula seu valor. Estava eu lá, sem a máscara do mundo moderno, desguarnecido, e aquele céu a fuzilar-me com verdades num sorriso severo de luar.


Pensei que não me dei ao luxo de guardar-me, ou resguardar-me da vida. Sabes que tenho medo das coisas, pois sei também que tu tens. A vida se torna amarga aos poucos.


Tenho me confessado constantemente nos textos que escrevo para o “Jornaleco”, mas desta vez, não me confesso aos meus leitores, não quero que essa confissão seja algo impessoal, já que o “público” gera um anonimato inominável. Queria eu que essa confissão fosse incrivelmente pessoal, que estivesse rechiada de agonia e de desgosto. A poesia que escrevo embeleza as desgraças da vida, as metrificando de maneira surreal.


No fim das contas, nobre Alcântara, pra quem estou mentindo?


Tenho pensado muito nos sentidos e nos significados, deve ser por conta das minhas ultimas poesias que cada vez são piores. Tenho trabalhado um pouco em um Título que pensei certo dia enquanto estava embriagado de vinho Sulista, “Os Saberes da Insignificância”.


Sabes amigo, não tenho o hábito de entrelaçar minhas poesias mas penso em fazê-lo agora nesse novo trabalho. Creio que será interessante de se fazer. Aprendi uma coisa com esse meu novo trabalho de escrever para jornal: o ato de escrever é sempre confessionário, sendo este significativo para que o faz, e mas não necessariamente significativo pra quem o lê, pois, o confessado é o motivo do sentido, o abstrato do sentir, é dotar de significado a abstração a partir do que se sente.


Por isso digo-lhe meu caro amigo, escrevo a ti porque não quero que seja anônimo novamente, quero que tenha significado. Saber de suas próprias insignificâncias é algo doloroso.


Despedir-me-ei então meu nobre, com um forte abraço que, entre amigos, é o saber da Despedida.


Despedida esta que sempre é dolorosa e libertária.