quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Câmus de Albuquerque Itaz, 10 de outubro de 1888

Nobre Alcântara,


A tempos estou para escrever algo de texto corrido, sem muitas adulações pseudo-intelectuais, ou de cunho existencial. A tempos quero escrever livre de palavrório polido e de rimas que já não me fazem tanto sentido. Mas, mesmo assim, não consigo me desprender de meu vício de “Escritor” ou algo que gostaria que fosse chamado de tal modo.


Minhas publicações vão indo muito bem naquele jornal que outrora disseste que não era bom. Ironia.


Tenho pensado muito caro amigo, nas coisas que me valiam muito antigamente, e que hoje já não me tem mais valia. Que rumos da percepção minha vida tem tomado? Me pergunto diariamente. Evidente que, como texto de tal absurda reflexão merece uma bela dona, que nesse caso em particular é uma que me deparei por estes dias.


A caminho do tal “jornaleco” para onde escrevo, perto dos campos de Afonso Rodrigues, na saída principal da vila, encontrei uma dama que era pura dor de tão bela. Estava ela a colher frutas com um cesto de palha.


Cabelos negros, lábios macios e rosados, seios fartos em um vestido simples. Batia uma brisa característica de nossa primavera que conheces bem. Ao me deparar com a cena fiquei maravilhado. O tempo correu lento naqueles não sei quantos minutos que fiquei a contemplar aquela divina que adornava uma paisagem tão comum. Ela percebeu meu devaneio. Olhou pra mim acanhada, mas com simplicidade de quem não sabia que estava sendo venerada. Foi como se a gota do mais puro mel tivesse caído dos céus em um vacilo de anjo, tocado minha boca, e eu, mero mortal, não sabia como apreciar seu sabor.


Meu atraso já era iminente. Disfarcei e continuei a observar. Cada movimento, cada vento, cada fio de cabelo era puro sabor que gostaria de provar.


Fiquei na frente da venda de Rodrigues, e ela veio em minha direção. Fiquei atento na esperança de que algo acontecesse para que pudesse falar algo. Pensei em mil coisas para cortejá-la. Mas não, nada acontecera para que eu pudesse dizer-lhe. Apenas fiquei ali, perplexo.


Ela passou lentamente por trás de mim, não resisti e a olhei mais uma vez, só que desta, mais profundamente e queimando de desejo por toda minha’alma. Ela retribuiu o olhar e, com aquele sorriso objeto de meu deslumbre, desviou-se e continuou a caminhar.


Aquela divina me deixou ali, sem mais saber o que era mundo ou o que deixara de ser. Sou um efêmero do desejo. Estou suscetível nesses tempos. A constante insatisfação, os dias repetitivos, o sempre me chateia.


Aquela dama não me inspirou desejo apenas. Ela despertou saudade de tempos distantes.


Lembrei-me então de tempos tardios, em que a vida não desfrutava de tanta melancolia e nem de tanto “saber”. Esse “saber” das coisas é o que nos mata aos poucos. Lembrei-me da vida antes do saber a verdadeira valia da palavra. Antes, tinha mais sentido do que agora. Por entre esses dias lembrei das coisas que fazíamos e em como antes era lindo o que não sabíamos. Olhei para o céu certa uma, e vi as estrelas, daí no chão olhando pra cima, desandei a chorar como menino novamente. Tenho passado tempos difíceis.


Sabes caro, olhei para as estrelas, pensei, sorri e chorei com elas. Pensei que o céu,está lá em cima para lembrar-nos de que nós estamos aqui, com os pés fincados na terra, e que trocaríamos todas essas luzes que vemos em terra para tocá-las por apenas por um instante. Pensei meu caro amigo, que enfim estava eu lá novamente, nu e com frio, afugentado da vida e de minhas forças. Sobrou-me por um segundo eterno a agonia que é estar vivo e saber que está só. Não direi que foi uma dor tortuosa e nem nada disso. Seria diminuir o sentido que tem o que senti. Foi um momento, para o meu deleite em agonia e descrença. Foi Horrível, entretanto não anula seu valor. Estava eu lá, sem a máscara do mundo moderno, desguarnecido, e aquele céu a fuzilar-me com verdades num sorriso severo de luar.


Pensei que não me dei ao luxo de guardar-me, ou resguardar-me da vida. Sabes que tenho medo das coisas, pois sei também que tu tens. A vida se torna amarga aos poucos.


Tenho me confessado constantemente nos textos que escrevo para o “Jornaleco”, mas desta vez, não me confesso aos meus leitores, não quero que essa confissão seja algo impessoal, já que o “público” gera um anonimato inominável. Queria eu que essa confissão fosse incrivelmente pessoal, que estivesse rechiada de agonia e de desgosto. A poesia que escrevo embeleza as desgraças da vida, as metrificando de maneira surreal.


No fim das contas, nobre Alcântara, pra quem estou mentindo?


Tenho pensado muito nos sentidos e nos significados, deve ser por conta das minhas ultimas poesias que cada vez são piores. Tenho trabalhado um pouco em um Título que pensei certo dia enquanto estava embriagado de vinho Sulista, “Os Saberes da Insignificância”.


Sabes amigo, não tenho o hábito de entrelaçar minhas poesias mas penso em fazê-lo agora nesse novo trabalho. Creio que será interessante de se fazer. Aprendi uma coisa com esse meu novo trabalho de escrever para jornal: o ato de escrever é sempre confessionário, sendo este significativo para que o faz, e mas não necessariamente significativo pra quem o lê, pois, o confessado é o motivo do sentido, o abstrato do sentir, é dotar de significado a abstração a partir do que se sente.


Por isso digo-lhe meu caro amigo, escrevo a ti porque não quero que seja anônimo novamente, quero que tenha significado. Saber de suas próprias insignificâncias é algo doloroso.


Despedir-me-ei então meu nobre, com um forte abraço que, entre amigos, é o saber da Despedida.


Despedida esta que sempre é dolorosa e libertária.


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